O Carnaval de São Paulo 2025, na Avenida do Anhembi, se destacará não apenas pelo espetáculo vibrante, mas também pela valorização da chamada diversidade religiosa. As escolas de samba homenagearão figuras espirituais e orixás centrais nas tradições afro-brasileiras, promovendo um evento de celebração, reflexão e muita inclusão cultural.
Entre as principais homenagens estão as “divindades” Ogum, Iemanjá, Oxalá e outros orixás de grande importância para a cultura afro-brasileira. Ogum, frequentemente associado à força e proteção, e Iemanjá, a rainha dos mares, serão celebrados, mas também outras entidades menos conhecidas pelo grande público terão seu espaço, ampliando o entendimento sobre essas crenças e combatendo preconceitos.
As escolas de samba, ao abordarem esses orixás em seus enredos, não apenas exaltam a riqueza cultural e espiritual das religiões afro-brasileiras, mas também contribuem para a desmistificação das tradições e para a promoção do respeito à diversidade religiosa.
Destaques das Escolas de Samba:
- Colorado do Brás (fundada em 1975) trará o samba-enredo “Afoxé Filhos de Gandhy, no ritmo da fé”, com referências a Oxalá, Iemanjá, Ogum e Oxumarê. O samba, repleto de emoção, evocará a força espiritual dos orixás, como pode ser ouvido em trechos como:
“Nasce um batuque na proteção dos meus guias. Mensagem de amor e de paz. Estivador alinhado nas ondas do mar. Balanço no cais de Iemanjá”. “Sou Colorado e Filhos de Gandhy. Tambor de Axé e de Oxalá”. - Barroca Zona Sul (fundada em 1974) fará sua homenagem a Iansã com o samba-enredo “Os nove oruns de Iansã”. Além de Iansã, outros orixás como Xangô, Obaluaê e Oxalá também serão lembrados.
- Mancha Verde (fundada em 1995) apresentará o samba-enredo “Bahia, da Fé ao Profano”, que celebrará diversos orixás, incluindo Oxalá, Iansã, Iemanjá, Oxum e Exu. Em trechos como:
“Na paz de Oxalá, sagrada Bahia, rezei pro Santo, pedi no gongá. Deixei as velas pro meu Orixá, eu tô com a guia no pescoço, e o patuá no bolso minha fé vai me guiar”, a escola levará ao Anhembi uma verdadeira exaltação da fé e da cultura baiana. - Acadêmicos do Tatuapé (fundada em 1952) abordará a questão da justiça com o samba-enredo “Justiça – A Injustiça Num Lugar Qualquer É Uma Ameaça À Justiça Em Todo Lugar”, tendo Xangô como figura central. O enredo buscará chamar a atenção para a intolerância, com versos como:
“Obanixé Kaô Xangô, clamei ao rei de Oyó, Justiça. A intolerância que assombra a nossa luz, chorou Maria aos pés da Santa Cruz”. - Gaviões da Fiel (fundada em 1969) desfilará com o samba-enredo “Irin Ajó Emi Ojisé” (A jornada da vida ou Caminho da existência), celebrando o ciclo da vida e a espiritualidade que atravessa as tradições afro-brasileiras.
- Vai-Vai (fundada em 1930), uma das escolas mais tradicionais do Carnaval paulistano, levará aos foliões o samba-enredo “O Xamã Devorado y A Deglutição Bacante de Quem Ousou Sonhar Desordem”, com uma proposta inovadora e cheia de significados místicos.
Com esses enredos, as escolas de samba de São Paulo reafirmam o papel do Carnaval como um espaço de ressignificação cultural e religiosa, celebrando a pluralidade da diversidade que faz parte da identidade brasileira.
Orçamento
O Carnaval de São Paulo, um dos maiores e mais populares do país, exige um investimento significativo por parte do governo estadual e municipal. Em 2025, a previsão é de que o governo paulista destine cerca de R$ 40 milhões para a realização do evento, um valor que contempla infraestrutura, segurança, limpeza e apoio logístico nas festividades. Além disso, as escolas de samba recebem uma parte do orçamento, com repasses para a preparação dos desfiles.
Em contrapartida, o evento também gera grande arrecadação para a cidade. Estima-se que o Carnaval paulistano movimente mais de R$ 1 bilhão na economia local, com impacto positivo no turismo, comércio e serviços. A venda de ingressos para os desfiles no Anhembi, os blocos de rua e a presença de turistas contribuem significativamente para essa receita. Dessa forma, o Carnaval se consolida como um dos eventos que mais movimenta a economia de São Paulo, superando os gastos públicos com a festa.
Diversidade
Ao mesmo tempo em que acontece o Carnaval 2025, igrejas do estado de São Paulo e de todo o Brasil promovem encontros religiosos popularmente chamados de “retiro”.
No Brasil, as manifestações culturais e religiosas das tradições afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, vêm sendo constantemente desafiadas por setores da cultura evangélica, em um embate que se intensifica especialmente nessas datas comemorativas e em espaços públicos de celebração, como o Carnaval. A resistência dessas manifestações culturais religiosas, presentes no cotidiano brasileiro há séculos, reflete uma tensão histórica e cultural, marcada por questões de fé, preconceito e muitas vezes, intolerância religiosa.
A cultura evangélica brasileira, com seu crescente poder político e social, tem se mostrado cada vez mais ativa na oposição ao que considera práticas espirituais e culturais incompatíveis com seus valores. Muitos pastores e líderes evangélicos pregam que as religiões de matriz africana promovem “práticas demoníacas” ou “idólatras”, condenando, por exemplo, os cultos aos orixás e outras entidades espirituais. Essa visão, muitas vezes alinhada com uma interpretação mais rígida da Bíblia, se traduz em uma postura de deslegitimação das expressões culturais que envolvem os rituais dessas religiões.
Entre as manifestações culturais mais afetadas está o próprio Carnaval, especialmente nas escolas de samba, onde enredos sobre as religiões afro-brasileiras são frequentemente criticados. O desfile de figuras como Iemanjá, Ogum, Xangô e outros orixás é visto por muitos setores evangélicos como uma afronta à sua fé. A presença de símbolos religiosos africanos nas ruas, como as imagens de orixás, caboclos e entidades espirituais, é questionada com veemência em diversos meios de comunicação e nas redes sociais, principalmente durante o período carnavalesco.
Essa oposição também se estende a outras formas de expressão religiosa, como as festas de Iemanjá, realizadas no litoral paulista e baiano, onde evangélicos, em ocasiões de celebração popular, têm se manifestado contra as oferendas e rituais realizados em homenagem à orixá. Em algumas cidades, pastores e fiéis evangélicos têm feito campanhas contra essas festividades, promovendo a oração em praça pública como um gesto de resistência àquilo que consideram “práticas pagãs”.
Por outro lado, as religiões de matriz africana enfrentam essa resistência com a reafirmação de suas tradições, promovendo ações de resistência cultural. Líderes religiosos e intelectuais afirmam que a intolerância religiosa é um reflexo de uma sociedade ainda marcada pelo racismo estrutural e pela tentativa de apagar as raízes africanas do Brasil. Eles argumentam que essas tradições são parte essencial da formação cultural e histórica do país, sendo a resistência à intolerância religiosa um ato de preservação e afirmação da identidade afro-brasileira.
Essa tensão entre a cultura evangélica e as religiões afro-brasileiras é, portanto, um reflexo da complexa dinâmica social e religiosa do Brasil, onde diferentes formas de fé, cultura e identidade disputam seu espaço na esfera pública. O diálogo entre essas duas forças ainda é desafiador, mas necessário para a construção de um país mais tolerante e respeitoso com a diversidade religiosa. O Brasil, com sua pluralidade cultural e religiosa, permanece um campo de disputas, mas também de possibilidades de entendimento e convivência pacífica entre diferentes formas de expressão espiritual.
